domingo, 30 de dezembro de 2012

"A Criança Terceirizada"


Abaixo, trechos do livro ‘A criança terceirizada’, os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo, de José Martins Filho. Editora Papirus, 2007.

 
Retirados do Capítulo ‘A terceirização propriamente dita’, a partir da pág. 58.
 
- sobre a importância da presença e vínculo afetivo nos primeiros anos.
- sobre creches, babás, televisão e a terceirização em geral.
Esse tema tem a ver com o sono do bebê e da criança já que sabemos bem que o estado emocional deles e o vínculo afetivo com seus cuidadores tem tudo a ver com a tranquilidade no sono e segurança emocional.

Os primeiros meses e nossas responsabilidades como mães


Nos primeiros meses (principalmente no primeiro trimestre), a relação mãe e filho é altamente intuitiva, primitiva mesmo. O bebê não sabe que nasceu e acha que o corpo da mãe é continuidade do seu e que o seio que o alimenta e lhe dá carinho e prazer faz parte de um todo ao qual ele pertence.
Só progressivamente, e após o sexto mês, é que os bebês vão se dando conta de que são outros seres. Por volta do oitavo mês, essa percepção de individualidade fica mais clara e evidente. Assim, progressivamente, vai se estabelecendo o desenvolvimento psicoafetivo, motor, alimentar e cognitivo da criança.
 
Capacidade de ser feliz depende de tempo e pessoas
 
Não é a toa que um pediatra famoso, que depois se tornou psicanalista e fundou uma escola nessa área, D.W. Winnicot, afirmava que a capacidade de ser feliz de um ser humano possa depender, além de todos outros fatores, de um tempo (a infância até os seis anos, mas principalmente o primeiro ano de vida), e de uma pessoa (uma mulher, a mãe). Quanta responsabilidade, não é mesmo? Pois é, mas o que me intriga mesmo é constatar que, na maioria das vezes, as pessoas têm filhos sem saberem nada disso, sem se darem conta da importância desse relacionamento profundo, do vínculo necessário que se forma nesse período. Acham que, para a criança, é suficiente que lhe troquem bem as fraldas e lhe deem comida. Como se isso bastasse... O mais necessário e nobre alimento, pode crer, é o afeto, acompanhado de carinho, prazer e paz.
Terrível e assustador é que, em alguns casos, não é preciso o afastamento físico. ‘As vezes, uma negligência insuspeitada, ocorrida nos primórdios da existência, nos primeiros meses ou anos, com a mãe fisicamente presente mas emocionalmente distante, pode ser desastrosa. Colocar uma criança precocemente em creches, principalmente naquelas em que as pessoas se preocupam mais com os aspectos físicos do que com os emocionais, e onde algumas crianças ficam 10 ou 12 horas por dia, pode também ser desastroso para o desenvolvimento. É verdade, as mães precisam trabalhar, pois também se transformaram em provedoras. Os pais, sozinhos, já não conseguem dar conta do sustento da família e suprir as necessidades das crianças. Mas em alguns casos, dolorosos, temos visto mulheres que ganham menos do que pagam a terceiros para atenderem seus filhos, seja a creche, escolinha, seja a babá que, não raro, pode ganhar mais do que a mãe, se levarmos em conta todos os aspectos que envolvem a criação de crianças.
 
Às vezes, me surpreendo... sou um pediatra à moda antiga e, frequentemente, quero ensinar as mulheres a preparar os alimentos para os bebês, a fazer sopinhas, papinhas com legumes, hortaliças, cereais, etc. Tenho ficado estupefato com a quantidade de mulheres jovens que não sabem cozinhar, que nunca prepararam um alimento e que se sentem inseguras. Preferem as papinhas industrializadas e não tem a mínima ideia de como oferecer os alimentos à criança, como colocar a colher na boca do bebê ou mesmo, o que me parece muito estranho, não tem a mínima ideia de como se deve fazer a transição do alimento pastoso para o mais sólido ou de como retirar progressivamente o seio e passar para o leite no copinho ou na caneca, sem a necessidade de bicos de borracha, mamadeiras, etc.
 
E nós, os pediatras, onde estamos? O que temos ensinado, dito, mostrado para as mães? Como podemos demonstrar que a chupeta é um engodo, que faz mais mal do que bem e que transtorna o próprio desenvolvimento da sucção, da mastigação, etc.?
 
Outro dia, contei para uma mãe que, quando um bebê mama ao seio, estimula pelo menos sete grupos musculares faciais e, quando mama na mamadeira, apenas dois; expliquei que isso tem grande importância no desenvolvimento da face e, principalmente, da mordida, pois aumenta as chances da criança desenvolver a respiração bucal, com todas as patologias e infecções orofaríngeas e otológicas associadas a essa forma de respirar. A mãe se assustou. Nunca lhe haviam dito nada disso, e ela usava a chupeta desde o nascimento para ajudar seu filho a se tranquilizar, segundo ela.
 
Cursos para pais e mães?
 
É mesmo estranho. Hoje existem cursos para tudo, menos para pais e mães.
 
As pessoas recebem um bebê e acham que vão aprender a cuidar dele sem ouvir outras pessoas, sem ajuda, sem informação. Antigamente, as avós desempenhavam esse importante papel. Existia a doula, ou essa função era desempenhada pelas avós ou por uma tia mais velha, com experiência no cuidados de várias crianças.
 
Assim, de geração em geração, iam se transferindo os conhecimentos, os saberes e as práticas. Hoje, infelizmente apara as crianças, nem mesmo as avós tem tempo para ajudar a cuidar dos netos. Também estão atarefadas e cheias de outras funções na sociedade.
 
As avós também são terceirizadas ou não encontram tempo para ‘curtir’ os netos. Fico assustado quando vejo uma avó que não é apaixonada pelos netos ou aquela que diz a famosa frase: “quem pariu os seus que os embale”. Estranho, porque o que se espera afetivamente é que todo carinho que era anteriormente do filho passe para o neto, com muita ternura, muito afeto e muito sentimento. O que se vê, na maioria das vezes, são as babás, as tias, e, entre os mais pobres, a vizinha, que ganha um dinheirinho de várias mulheres para cuidar de cinco ou seis crianças enquanto as mães vão trabalhar.
Isso quando a terceirização não está nas mãos de irmãs ou irmãos mais velhos (mais frequentemente as irmãs), que substituem com grande dificuldade e deficiência as mães e os pais ausentes.
Uma das coisas que mais impressionam é a falta de tempo. Parece que ninguém mais tem tempo para viver e sentir a existência. Vive-se em tal correria que tudo passa celeremente, sem espaço para avaliações e conclusões. Uma pesquisa recente na Inglaterra mostrou que alguns pais passam, em média, no máximo seios minutos proveitosos com os filhos, minutos em que verdadeiramente há interação e troca de estímulos. É possível transmitir algo para as crianças dessa maneira? Delegam-se a terceiros as funções de cuidador, educador e alimentador.
A terceirização é uma forma diferente e ‘modernosa’ de cuidar dos filhos: passa-se para terceiros a realização de determinadas tarefas e, em alguns casos, de todas.
 
Já vi de tudo nestas décadas em que exerço a pediatria. Os mais ricos tem suas babás. Às vezes, uma criança tem três babás, a do dia, a da noite e a dos fins de semana. A criança vem ao consultório, nem sempre com a mãe, diga-se de passagem, e ante qualquer pergunta:
- Como ela está comendo? Qual vacina tomou? Quando começou a febre? Quando começou a diarreia? – a mãe, a avó ou a pessoa da família que ali está vira-se para a babá e pergunta: “Quando? O que ela come?”
 
Já atendi uma pessoa que me telefonou de seu laboratório de pesquisa às dez e meia da noite e me pediu para ligar para a casa dela e falar com a babá sobre a febre do filho. Essa pessoa havia saído de casa pela manhã e até aquele momento não havia estado como filho sabidamente enfermo!
 
O apego com terceiros
 
Como é possível desejar que essa criança não apresente problemas de desenvolvimento, de afetividade? A única saída saudável que a criança encontra é apaixonar-se por quem cuida dela: pela babá, pela vovó ou por quem fica perto.
 
Sorte da criança se a babá for afetuosa, terna e amiga. Ela passa a ser mãe, e o vínculo se forma com essa pessoa.
 
Já vi algumas mães chegarem aos prantos ao consultório ou telefonarem dizendo que as crianças correm para os braços das cuidadoras e não para os seus. Como pode, perguntam? E respondo, com cautela, porque não quero ferir ninguém: ‘Porque, para essa criança, para seu filho ou filha, a mãe é ela... a babá”.
 
Ảs vezes, acontecem coisas muito desagradáveis. A mãe enciumada demite a babá, rompendo um vínculo já existente, mas não assume o filho definitivamente. Contrata outra pessoa e o processo recomeça, com infindáveis idas e vindas num relacionamento delicado, no momento muito especial do desenvolvimento afetivo e cognitivo que é a primeira infância.
 
Esse mesmo quadro é válido quando a terceirização não é profissional (com babás e creches), mas familiar, com avós, tias ou irmãos assumindo o cuidado. Os procedimentos e os acontecimentos são os mesmos. O que muda são os atores, com maior ou menor intimidade com a família.
Nesse tipo de relacionamento terceirizado, podemos observar outros fenômenos. Quem educa? Quem orienta? Quem coloca normas, limites? A educação, um tanto formal, acadêmica, como ética e moral, acaba sendo transferida para as escolas; assim, os pais esperam que elas desempenhem essa função. Interessante é que os professores acham que a função deles é informar, orientar na aquisição de conhecimentos, mas não educar. Há uma constante transferência de responsabilidades.
 
A terceirização com a TV
 
E, se formos um pouco mais exigentes e atentos, perceberemos que, infelizmente, muitas vezes, a formação do caráter acaba sendo eletrônica, por meio da TV, dos jogos eletrônicos, dos DVDs, dos filmes. Algumas babás, assim que as mães saem, colocam as crianças diante da televisão para que não deem trabalho e fiquem quietinhas.
É notória a criança viciada em TV. Em qualquer lugar ao qual chega fica pedindo para ligar a TV.
É totalmente inadequado usar a TV como babá eletrônica e se chega ao cúmulo de alimentar as crianças diante do aparelho. Essa é uma situação muito complexa. Sempre aconselho a fazer que a criança seja alimentada sentada ‘a mesa ou em sua cadeirinha, para que se possa comer com uma colher e, aos poucos, ir se servindo, numa atitude que tende a facilitar o desenvolvimento motor.
 
Consequências

 
Não acho que o problema seja só da classe menos favorecida. O abandono e a terceirização ocorrem em todas as classes sociais. Não posso deixar de indagar, com tristeza, até que ponto estamos colhendo os frutos de algumas décadas de abandono e terceirização de crianças e adolescentes, quando vemos a violência campeando e atingindo inclusive crianças e jovens quem, teoricamente, não teriam passado por grandes necessidades na vida. Como julgar ou entender jovens de classe média que atacam brutalmente uma mulher indefesa, numa rua, em plena madrugada, apenas para lhe roubar uma bolsa e alguns míseros trocados? Quais são os valores desses indivíduos?
O que lhes aconteceu? O que será que lhes faltou de amor, afeto, carinho, presença familiar? Será que foram terceirizados, desamados, desamparados, não educados, não formados?
Difícil dizer, deixo a cargo do leitor as considerações que desejar fazer a respeito.
Finalmente, uma outra observação, não menos dolorosa. A criança está tão terceirizada e a sociedade tão despreparada para formar pais e adultos competentes para as funções materna e paterna, e é tão comum a transferência de todos os cuidados da criança para creches, escolas, etc., que, infelizmente, quando alguns pais se veem na obrigação de cuidar, isso pode ser transformar em tragédia.
Crianças esquecidas dentro de carros, que falecem em consequência do calor e da desidratação; mães que trancam filhos no carro para ir a bailes, e assim por diante. Quase sempre são acidentes; às vezes são casos criminosos de abandono, mas apenas confirmam nossa tese. Estariam essas pessoas preparadas para a função paterna? Sabiam o que seria a vida depois que os filhos nascessem? Estão conseguindo abrir mão das prerrogativas que tinham antes de conceberem filhos?

domingo, 23 de dezembro de 2012

Feliz Dois Aninhos


Raphael nasceu em Massachusetts/Estados Unidos, consequentemente, ele é americano. Antes de engravidar sempre pensei que bom seria ter um bebê nascido em um pais como os EUA e nas diversas coisas boas que isso acarretaria para a vida dele. Acesso a colégios e faculdades reconhecidas mundialmente além de possuir a língua nativa entendida por quase todo o planeta são bons exemplos. Mas, vou ser sincera, bateu uma dor, uma angústia dentro do peito.

Amo meu país mesmo com todos os seus problemas sócio-políticos. Foi onde eu nasci e são com aquelas pessoas que me identifico. No fundo do meu coração, exitei e naquele momento queria voltar atrás em tudo que eu sempre achei importante e ter meu filho no Brasil. Que viesse ao mundo um legitimo brasileiro! Como nem sempre a emoção manda na razão, Raphael nasceu aqui. Mas, dentro daquele corpinho corre o sangue de um povo lindo, quente, festeiro e famoso por não desistir nunca.

A decisão de ter um filho longe do nosso país de origem nos trouxeram algumas consequências. Tivemos que encarar a maternidade sozinhos sem a ajuda de mãe, sogra ou qualquer outra pessoa da nossa família. Porém, com isso, aprendemos também que família não são somente pessoas com laços de sangue e que temos amigos preciosos. Amigos esses, que estiveram presentes em visitas diárias, nos apoiando e principalmente nos aconselhando em horas difíceis. Verdadeiras preciosidades!

Descobre-se que quando o assunto é maternidade, mesmo o casal mais certinho e organizado do planeta, não estará preparado para o que vem pela frente. Tudo fica deliciosamente desgovernado e loucamente assustador. E que aquela vida certinha e coordenada de antes fará parte de um passado que, por mais engraçado que fosse, era totalmente sem graça!

No meio de toda essa aventura, a maternidade se aflorou, não porque sou mulher e tive um filho mas porque eu realmente estava disposta a viver tudo isso. Não nasci com o "dom" da maternidade tão pouco achei que seria "a mãe" que sou hoje. Nunca me imaginei tendo que enfrentar "sozinha" um parto normal, a primeira mamada, o primeiro banho, as trocas de fraldas, as constantes noites mal dormidas, as idas e vindas ao pediatra e muitas vezes ao hospital, já que eu não me nego ao título de mãe de primeira viagem que qualquer resfriado está na porta do hospital mais próximo. E o que dirá a cozinha, o progresso foi tanto que o meu bebê se nega a comer qualquer outra comida que não seja a minha. Modéstia a parte mando muito bem!

Se não fosse a falta que faz o carinho dos avôs e dos tios estaria tudo perfeito. As vezes me pego imaginando como seria ver meu pequeno brincando, correndo e crescendo junto aos primos, ganhando abraços carinhosos que só tias sabem dar, doces dados pelas avós sem permissão, palavras sabias ditas pelos avôs e histórias, sobre nós dois (mamãe e papai), que só amigos de infância saberiam contar. Infelizmente, me corta o coração privar meu filho desse contato diário mas esse  foi o preço que pagamos por nossas escolhas.

Hoje, analiso esses 24 meses, como sendo vitoriosos. Um tempo de amadurecimento interior, de fortalecimento e de muita ajuda mútua. Tenho a família que sempre desejei. Uma família feliz, com defeitos, com problemas, com TPMs ,com mal-humores. Mas, acima de tudo, que se AMA e se RESPEITA.

Nosso filho veio ao mundo no dia de hoje, para ser feliz e nos fazer mais felizes do que já eramos.
Feliz Aniversário nosso Pequeno Príncipe!
 
 

Nós amamos você!