Dentro do universo materno existem alguns assuntos que geram polêmicas por serem delicados para a maioria das mulheres. A amamentação é um desses. Para mim, discuti-lo sempre foi muito difícil e, nas poucas vezes que falei a respeito, fui um pouco intransigente e parcial. Tenho uma opinião radical a respeito e, infelizmente, por isso acabo ferindo o brio de algumas mulheres. Principalmente as que não conseguiram, por algum motivo, amamentar seus filhos.
Entristece-me saber que, por escolha ou por falta de empoderamento, a mulher deixa de regalar ao seu filho o maior e melhor presente que ela poderia dar. Leite materno é alimento, é vida, é força, é inteligência, é vinculo. No entanto, esse texto não tem a finalidade de julgar ou magoar ninguém. Quero contar nele a minha experiência particular mostrando que qualquer mulher é capaz de amamentar quando se deseja muito e que, apesar de todos os percalços, eu consegui.
Minha história começa aos 15 anos quando seios grandes ainda não eram moda e os meus, infelizmente, tomaram proporções fora do padrão na época. Naquele tempo era quase impossível encontrar um sutiã que desse sustentação e que fosse decentemente usável (a maioria deles pareciam lindas lingeries da vovó). Lidar com isso, para mim, não foi fácil. Eu fui uma dessas adolescentes bem comuns que sobra timidez e falta autoestima. Sabe como é? O desfecho de tudo isso: uma plástica no seio aos 19 anos de idade.
Lembro como se fosse hoje! O médico cirurgião preocupado em me aconselhar e alertar sobre esse procedimento tão radical, sobre a possível impossibilidade de produzir leite e se, por um a caso houvesse produção, a exteriorização do leite poderia ficar comprometida pelos cortes que seriam feitos justamente nos ductos mamários. Eu, com toda minha arrogância juvenil, nem sequer pensei na possibilidade de esperar casar e ter filhos. Na verdade, a primeira coisa que eu pensei foi: existe leite artificial para quê?
Treze anos se passaram e, desde então, muita coisa mudou no meu modo de ver a vida. O amadurecimento me fez perceber que sou muito mais do que um corpo. Que padrões de beleza não se encaixam mais dentro do meu universo. Hoje, sou feliz porque sei que todos somos lindos em nossas diferenças e essa consciência somente o tempo me deu. Porém, a "merda" já tinha sido feita. Eu estava grávida, cheia de expectativas pessoais e um seio "mutilado".
A ansiedade tomou conta de mim durante boa parte da gravidez. Procurei por sites na internet, comprei livros, busquei informações a respeito de mulheres que conseguiram amamentar mesmo depois de uma cirurgia plástica e, infelizmente, o pouco que obtive sobre o assunto vieram de mulheres desestimuladas e cheias de dúvidas que, com o tempo, desistiram de suas tentativas oferecendo assim o leite artificial ou fazendo a complementação entre a amamentação.
Raphael nasceu de 32 semanas. Veio ao mundo de parto normal. Por complicações durante a gravidez não pude cogitar um parto domiciliar, por esse motivo, ele nasceu no hospital. Mesmo sendo prematuro, ele não precisou ser afastado de mim pois seu peso e estado físico eram compatíveis a um bebê a termo. Ele foi colocado no meu seio na mesma hora em que nasceu e nessa hora começaram as minhas dúvidas.
Ele mamava e dormia em um curto espaço de tempo. Eu não tinha certeza da minha produção de leite e muito menos se ele dormia por estar cansado ou alimentado. Raphael não chorava e suas eliminações fisiológicas, para mim, pareciam normais. Porém, minha felicidade durou menos de 48 horas, quando ele começou a apresentar a pele amarelada e ser diagnosticado com icterícia neonatal. A pediatra, lógico, culpou a amamentação ineficaz (pois quanto maior a quantidade que o bebê mama, maiores são suas eliminações fisiológicas e mais fácil a bilirrubina é expelida do corpinho).
Por consequência disso, eu tive alta hospitalar mas o Raphael não. Felizmente, nos permitiram ficar com ele por mais dois dias, não precisei deixá-lo no hospital e voltar para casa sozinha. E foram quatro estressantes dias de internação quando, finalmente, a pediatra nos deu alta hospitalar. Porém, com duas condições: a primeira que eu fizesse visitas diárias ao consultório da pediatra até que houvesse a melhora do quadro clínico e a segunda que eu levasse para casa um saco de mamadeiras com leite artificial (cortesia do hospital) e suplementasse as mamadas.
Fomos para casa e, tenho que confessar, os dias que se seguiram foram bem difíceis. Éramos eu, meu marido, um bebê recém-nascido e nossos instintos, completamente sozinhos. Também não posso negar que tivemos a melhor experiência de todas as nossas vidas. Essa ajuda mútua só fez crescer ainda mais a admiração, o amor e o carinho que sinto pelo meu marido. Eu não me canso de dizer o quanto ele é fundamental na minha vida.
E os meus dias seguiram assim, eu passava 22 horas do dia com o Raphael no peito e as outras 2 horas "ordenhando" com a máquina elétrica. Já não distinguia mais quando o bebê mamava ou quando usava o peito de chupeta. Na verdade essa situação não me incomodava, eu sabia que esse tempo de dedicação, de livre demanda, seria importante para a tão sonhada produção de leite. Quanto mais o bebê mama mais a mãe produz. É isso que diz a teoria e foi nessa verdade que eu me agarrei.
Bom, por um "milagre" ou por muita força de vontade (gosto da segunda opção) eu produzi leite e essa produção só aumentou. Tomei muito líquido, fiz muito repouso, me mantive a mais calma que pude, comi muita canjica (rs), fiz livre demanda e cama compartilhada e, acima de tudo, acreditei muito em mim e no meu filho. Parei de ordenhar com a máquina pois tirar 5 ml dos dois seios, em 1 hora de ordenha, estava tirando toda a fé que eu tinha em mim mesma. A partir daquele momento meu filho foi o meu referencial. Isso bastou para mim! Ele estava bem, feliz e engordando a olho nu.
Em 6 meses de amamentação EXCLUSIVA, eu tive vários outros problemas: pega incorreta, que foram sanados através de aulas com enfermeiras especializadas (verdadeiros anjos) no próprio hospital em que dei a luz e pomadas de lanolina, prescritas por elas. Rachaduras que persistiram durante 3 meses seguidos, consequência da pega incorreta. Duas mastites com febre de 39 graus cada uma onde tive que fazer uso de antibióticos em ambas. E, por fim, várias neuroses, essas me perseguiram por bastante tempo.
Hoje, depois de 2 anos e 7 meses de amamentação, escrevendo e lembrando dos momentos bons e dos dificeis que passamos, a única coisa que tenho a dizer é que somos verdadeiros vitoriosos.
E, sobre as mamadeiras que ganhei da pediatra fofinha: essas não me serviram de nada, as devolvi ao hospital na minha segunda aula de amamentação! :)